Muito se fala que a política virou um balcão de negócios fazendo com que gestões públicas funcionem como uma espécie de banquete. Não estou me referindo ao que Platão tomou como pano de fundo para refletir sobre a natureza do amor, mas da ação de líderes passageiros que iludem as massas com falsas soluções e promessas vazias enquanto se fartam das negociatas na gestão do orçamento público.
Esta Semana Santa, que se finda na Sexta-Feira da Paixão, quando celebramos o sofrimento de Cristo, é um convite para refletir sobre os cem primeiros dias de nossos governantes. As cenas que têm sido (in)digeridas nas redes socais mostram o quanto o atual sistema de autoridades públicas é frágil e imerso à escassez de soluções terrenas. Em vez de uma vida de propósito alinhada ao prazer de servir, o que vemos são líderes famintos por subirem degraus de status se fartarem em um banquete de aplausos e bajulações alimentado pelas manipulações algorítmicas.
Uma vida de propósito, como deveria ser a de todos que se dispõem à atividade pública, transcende a ambição pessoal e as conquistas materiais, pois a missão é muito mais importante que o conforto, o materialismo e a vaidade estampada nas redes sociais. Logo, uma vida de propósito não se deixa levar por impulsos e desejos momentâneos diante das distrações do mundo material. Sabe que o servir transcende as aparências e está enraizado no invisível, o que não se mede em glória, dinheiro e outros prazeres egóicos.
Líderes passageiros são desprovidos de propósito, pois vivem do prazer de satisfazer um desejo pessoal, muitas vezes decorrentes de um sonho de infância. O sonho de ser prefeito, governador ou qualquer outro cargo público eletivo é a expressão mais fiel da pequenez de gestores que, na ânsia de satisfazerem o próprio ego, se fartam como um banquete em seus governos ao mesmo instante que nos servem com migalhas de serviços. Tudo, executado a base do controle, do medo e da exploração das massas suplementados com a perfumaria das plataformas de comunicação digital.
É assim que chegamos aos cem dias de governo. Em vez do propósito de servir, nossos líderes enchem o peito ao vislumbrarem o cenário eleitoral de 2026. Enquanto a disputa por cargos e novos postos de poder movem nossos gestores, o auto custo de vida, impulsionado pelos impostos e taxas municipais avança sobre a renda das famílias sem que serviços públicos de qualidade sejam oferecidos, sem que a solução para problemas crônicos das cidades seja buscada com o mesmo empenho. O que se vê é a fome pelo poder, os impulsos e os desejos do ego acima do propósito de servir; a sede de viver para si mesmo em detrimento ao comprometimento com a causa pública. A arte de se servir desse banquete público prevalece num mundo saturado de superficialidades.
Quem caminha com o propósito de contribuir com a vida pública sonha em se alinhar a uma causa, seja para levar saneamento básico onde não há e com isso ajudar drasticamente com os avanços na saúde pública, pavimentar bairros inteiros, ter um sistema de mobilidade urbana que dialogue com as necessidades básicas da população e que possa se traduzir na eficiência dos serviços públicos ou até mesmo garantir uma escola que seja um ambiente de aprendizagem, satisfação e orgulho do exercício do magistério sem jamais se converter em um espaço de assistencialismo medíocre.
Líderes públicos dotados de propósito sabem que o verdadeiro poder é invisível, se alinha silenciosamente ao amor e à integridade, por isso dispensam holofotes, likes e cliques. Foi assim que Jesus Cristo enfrentou as tentações do deserto simbolizadas na quaresma e tornou-se apto a iniciar sua missão pública. Foi valendo-se do seu caráter e não do seu poder que venceu as forças malignas. Em vez de transformar pedras em pão para saciar sua fome e provar seu poder quando desafiado por satanás, Cristo foi fiel à sua essência e honrou a missão que lhe foi confiada. Suportou o sofrimento e manteve sua integridade ao longo de 40 dias no deserto, sem comer. Que a luz e não o brilho possa iluminar a consciência de todos nessa Páscoa.