Meu Inimigo,
Escrevo esta carta com a alma pesada (se é que ainda posso usar tal expressão). Não é um pedido, tampouco uma súplica — é apenas um desabafo. Um suspiro amargo de frustração. Venho relatar a completa inutilidade do meu ofício diante da geração que anda sobre a terra.
Veja, eu queria falir minha paciente. Realmente queria. Estava ansioso por vê-la se afundar em dívidas, perder tudo por orgulho, teimosia ou ganância. Mas a desgraçada sequer se dá ao trabalho de abrir uma empresa! Ela tem ideias, mas só pensa nelas no banho. Ela sonha, mas sonha baixinho, e acorda já cansada. Não preciso destruir seus planos — ela os mata antes mesmo de nascerem.
Outro caso, temos um paciente: ele é tão acomodado que nem se revolta. Poderia ser inflamado por uma injustiça, movido por uma humilhação, motivado por um fracasso. Mas nada! Ele aceita tudo com uma passividade nauseante. A única coisa que o tira do sério é quando a internet cai.
E o pior, Inimigo… eles me culpam. Ainda dizem que sou eu quem atrapalha seus planos. Que sou eu o obstáculo. Mas como posso atrapalhar o que sequer começou? Como posso roubar conquistas de quem nunca teve coragem de conquistar?
A verdade é: eles não precisam de mim. A maioria se perde sozinha, na doce zona de conforto, naquele morno onde nem o Céu nem o Inferno têm utilidade.
Houve um tempo em que homens como Josué caminhavam sobre a terra. Eram fortes e corajosos, e nos davam trabalho. Homens assim nos faziam suar. Lembra do teu servo Davi? Como eu enchi o coração daquele maldito de dúvidas e, mesmo assim, ele matou Golias. Ah, como era prazeroso tentar esses! Ao menos havia batalha. Hoje, basta uma segunda-feira nublada para vencê-los.
Lembro-me de um banquete ao qual fui convidado certa vez. Anunciavam a chegada de um empreendedor audacioso — daqueles que se vendem por lucro, que pisam nos outros por ambição, que se embriagam de poder. Cheguei animado, garfo na mão, pronto para destruir o que ele construiu, mas… o que serviram foi um sonhador medroso, que se diz empresário, mas mal consegue sair da teoria. Ele assiste vídeos motivacionais, diz que vai mudar sua vida… na segunda-feira seguinte. E, no fim das contas, tudo o que me serviram foi o couvert.
Inimigo Altíssimo,
Lamento dizer, mas nem o Inferno tem o que fazer com almas que não ardem por nada.
São mornas demais para o Céu, e vazias demais para o Abismo.
Estamos diante de uma geração que não precisa ser tentada — basta deixá-la no sofá.
Saudades dos pecadores com ambição.