Os sons típicos do desenvolvimento de uma criança deram lugar ao barulho constante do respirador na casa de Pâmela Silva. Para ela, o sonho de ser mãe virou um pesadelo. Após 12 anos em silêncio, ela decidiu falar sobre o que considera a maior injustiça de sua vida: a negligência médica no Hospital Santa Marcelina de Itaquaquecetuba que transformou a chegada de seu filho, Victor Gabriel, em um trauma irreparável.
Aos 17 anos, Pâmela engravidou. Segundo ela, a gestação foi tranquila, com pré-natal e exames em dia, sem qualquer sinal de complicação. Tudo foi preparado para receber o bebê com saúde.
Mas tudo mudou em 23 de maio de 2013, quando Pâmela deu entrada no Hospital, por volta das 20 horas, com fortes dores. Mesmo sendo menor de idade, ela conta que não permitiram a presença de um acompanhante e foi levada sozinha para uma sala escura, onde começou a fazer exames que logo apresentaram alterações.
“Eu dizia que estava com muita dor, que estava saindo sangue e uma sujeira escura, mas eles só diziam que era para eu esperar o médico. Enquanto isso, os funcionários riam, comiam, ignoravam minha dor.”
Já de madrugada, por volta das 3h30, o médico apareceu. No exame de toque, a bolsa rompeu, liberando ainda mais sangue e mecônio, um sinal grave de sofrimento fetal: “O doutor saiu correndo para chamar a equipe da cirurgia. Me colocaram em outra maca, pediram para eu tirar a roupa, pegaram minha carteirinha de gestante, sumiram com ela e me levaram para uma cesariana de urgência.”
Victor nasceu às 3h45. O momento, que deveria ser de alegria, é descrito por Pâmela como “o começo de um pesadelo sem fim”. “Não me deixaram ver meu filho. Eu o vi de longe, ele estava roxinho, se debatendo, não chorou. Só vi eles aspirando aquela grande quantidade de mecônio que ele engoliu. Entubaram ele e levaram para a UTI.”
Victor sobreviveu, mas com sequelas graves. Desde o primeiro dia, foi diagnosticado com convulsões. Depois, os laudos confirmaram: síndrome de West, epilepsia de difícil controle, insuficiência respiratória, disfagia grave, asma grave, entre outras condições.
Hoje, ele se alimenta por sonda, respira com ajuda de aparelhos e não consegue engolir nem a própria saliva. “Ele está atrofiando, as perninhas, os pezinhos. Faço fisioterapia, dou banho, cuido sozinha. Ele tem 12 anos, mas depende de mim para tudo.”
Além de toda a negligência médica e suas consequências, Pâmela ainda afirma que, para justificarem os erros que colocaram Victor nessa situação, os prontuários foram alterados, com acusações de que ela seria usuária de cocaína e fumante. O que ela garante ser uma inverdade.
Pâmela vive para cuidar do filho. E, como se não bastasse o desgaste físico e emocional, os custos mensais para atender todas as necessidades de Victor ultrapassam R$ 10 mil. Mesmo assim, vive com recusas frequentes para conseguir equipamentos e insumos necessários.
Diante disso, ela reuniu laudos, exames, registros do pré-natal e processou o Hospital Santa Marcelina. Porém, o caso foi encerrado sem decisão favorável por falta de provas de negligência. Agora, ela luta por justiça.
“Perder esse processo foi a gota d’água. Me calei por 12 anos, mas agora não posso mais. Meu filho merece justiça. Nós merecemos. Não quero dinheiro, quero justiça. Sou muito grata por ter o Victor comigo. Ele é um milagre de Deus. Mas não aceito que o que fizeram com ele fique impune. Não aceito que um hospital cause tanto sofrimento e não pague por isso. Não vou parar. Essa luta agora é pública.”
Questionada, a Secretaria Estadual de Saúde se limitou a afirmar que “todos os procedimentos foram realizados conforme o Manual de Boas Práticas de Obstetrícia, considerando as condições clínicas da mãe e do bebê. Além disso, a unidade adota mecanismos de controle e aciona órgãos de fiscalização quando necessário, realizando o acompanhamento regular dos indicadores monitorados pela rede Allyne, do MS (Ministério da Saúde)”.













