Idealizado e criado há dois anos pela policial civil Lynnah Cassarini, o projeto “Acredita Poderosa” traz números expressivos sobre a atuação do grupo composto por profissionais que entregam parte de seu tempo e dos conhecimentos adquiridos em seus ofícios para socorrer e orientar mulheres, de pouca ou nenhuma instrução, sobre os direitos que elas têm, e o que podem fazer para se proteger, se libertar e punir aqueles que se tornam os seus piores inimigos: os seus próprios companheiros.
A luta é grande e os muitos desafios são aumentados pelo constante infringimento aos artigos dispostos na Lei Maria da Penha, que não “existe” para os “machões” que espancam o ordenamento jurídico do mesmo jeito que agridem, de todas as formas, suas companheiras. Para eles, Maria da Penha é só um nome e a lei não “colou”.
O projeto Acredita Poderosa “fez” dois anos no dia 28 de setembro de 2022. No dia da festa dele, elas festejaram e, eles – machões -, choraram. O pranto dos barbados foi em razão de aprender a ferro e fogo que “escreveu não leu o pau comeu e quando não vai pelo amor, vai pela dor”. Uma dor não tão intensa quanto à que infligiram as suas companheiras. A mulher sabe como ir à forra.
A constatação vem na cadência dos números apresentados nesses dois anos de atividade do projeto. Em 2020, o que era para começar engatinhando, começou correndo. Os pedidos de informações sobre o “Acredita” vinham pelas redes sociais, registrando o alcance de 980 internautas. Já os de ajuda e socorro por meio do Direct e pelo Whatsapp, onde 45 mulheres usaram o celular para denunciar o que estavam vivenciando.
Com isso, foram realizados 38 boletins eletrônicos de ocorrência e expedidas 16 ordens judiciais de medidas protetivas. Ainda em 2020, o trabalho conquistou o apoio de cinco parcerias, que se somaram à causa nobre: defender o ser humano. No mesmo ano, o projeto saiu da virtualidade para o mundo real, ganhou espaços para realizar palestras e, em síntese, dizia. “A mulher não nasceu para sofrer”.
Um trabalho de larga escala envolvendo um contingente maior de colaboradoras dos mais variados segmentos profissionais – segurança, saúde, direito, assistência social, estética, entre outras – foi às ruas numa força-tarefa para dizer de que forma e com que meios as mulheres vulneráveis – quer seja social ou de vulnerabilidade no sentido literal da palavra – poderiam e podem sair da situação humilhante. O ano de fundação do projeto Acredita Poderosa foi finalizado com a realização de quatro forças-tarefa.
Expansão
Já amplamente divulgado e conhecido em Mogi das Cruzes, o Acredita Poderosa, que se fez acreditar ao quebrar com força o “orgulho machista”, saltou de forma surpreendente sua atuação no ano seguinte.
Em 2021, o alcance do projeto nas redes sociais foi de 2000. Comunicação via Direct e Whatsapp foram feitas por 255 mulheres. Boletins eletrônicos de ocorrência, 178. Medidas protetivas subiram das 16 ordens judiciais expedidas em 2020 para 178 em 2021. As parceiras aumentaram para 15. Foram realizadas 12 palestras, seis forças-tarefas e oito Lives, com a internet ajudando as mulheres a ver e ouvir que, igual a todo ser humano, elas também têm o direito à vida e à segurança. E aos seus algozes ficam o dever das sanções da lei.
Em 2022, a Violência doméstica aumenta a ação do projeto
Neste ano, cujo fim já está próximo, o projeto Acredita Poderosa teve a carga de trabalho superior à do ano passado. Os números revelam que nada detém a violência contra a mulher, que as leis criadas para a proteção delas estão longe de serem entendidas e cumpridas.
O alcance nas redes sociais bateu a casa de 3.500 visualizações. Por meio do Direct e Whatsapp foram 329 os contatos feitos. Houve o registro de 305 boletins eletrônicos de ocorrência, assinadas 247 medidas protetivas. As parcerias totalizaram mais 17 colaboradores. Três forças-tarefas “saíram a campo”. E cinco Lives foram realizadas. Os dados se referem até o mês de agosto deste ano.
Um ponto de reflexão e importante de ser destacado é que o projeto Acredita Poderosa nasceu simultaneamente à pandemia. Manter as pessoas em casa, como forma de evitar que a doença se alastrasse, aumentou assustadoramente os casos de violência doméstica. O comportamento violento, bestial e agressivo de muitos parceiros fez que o “#fiqueemcasa” para muitas mulheres se transformasse no “fique no inferno”.
A troca da violência pela solidão e segurança
No dia a dia atuando na área de segurança pública, Lynnah Cassarini idealizou o projeto Acontece Poderosa em razão de ver que os braços do Judiciário estão distantes da camada mais necessitada da sociedade. A ausência é nas periferias empobrecidas de tudo, justamente onde deveria ser presença constante. E, infelizmente, na maioria das vezes que “abraça” é para penalizar a população dessas localidades, com uma ou outra ação “justa” que ora é despejo e coisas do tipo, que marcam negativamente a vida dos pobres.
Indagada se nesses anos de atuação do projeto, algum dos casos trabalhados diretamente por ela ou por suas parceiras-colaboradoras marcou a ativista, Lynnah Cassarini, a policial, respondeu relatando um das centenas que acompanhou.
“De uma mulher que teve que fugir de Mogi das Cruzes para outra cidade. Foi morar em um cortiço. Lá, quando o caminhão de coleta de lixo passava para recolher o lixo do local, um dos coletores levava biscoitos e às vezes levava comida e água para ela. A mulher não tinha família e ele, ao vê-la chorando, conheceu sua história, e cada vez que passava, ajudava com alguma alimentação.”