A população brasileira detém uma característica única de encontrar bom-humor mesmo em meio a momentos de tragédia. Essa qualidade tem sido bastante presenciada em Itaquaquecetuba, a mais afetada pelas fortes chuvas que assolaram o Alto Tietê na última semana. O povo, já acostumado com enchentes anuais nos mesmos pontos da cidade, resiste aos castigos impostos pelos céus e pelo descaso daqueles que podem e devem resolver o problema.
Na última sexta-feira (31) a prefeitura montou um comitê de crise e mobilizou servidores de todas as secretarias para atender as vítimas, presentes principalmente nos bairros Maria Augusta, Vila Japão, Jardim Fiorelo, Vila Bartira, Vila Sônia e Tipóia. Com a chuva alcançando seu pior pico no final de semana (1 e 2), a administração de Eduardo Boigues (PL) mobilizou quatro abrigos. Até o momento, a prefeitura confirmou que cerca de 2,5 mil residências foram atingidas por alagamentos, deixando mais de 1 mil pessoas desalojadas e 100 desabrigadas.
Apesar de todos os esforços da municipalidade, apenas o governo estadual detém condições para fazer obras definitivas para impedir que a água suba às ruas ou que, ao menos, escoe mais rápido. A posição do governador, Tarcísio de Freitas (Republicanos), porém, tem sido a mesma desde 2023, quando ele visitou a cidade para tratar do mesmo assunto: não há o que fazer a não ser oferecer moradias populares e tirar as pessoas das áreas de risco.
Das 2 mil residências que Tarcísio prometeu que construiria no espaço conhecido como Fazenda Albor, não há notícias de sequer um bloco.
A GAZETA esteve, na última terça-feira (4), na Vila Japão, onde conversou com munícipes sobre o cenário distópico presente no bairro. Quando questionada sobre como avalia as atuações da prefeitura e do governo, uma das acolhidas no abrigo instaurado na Paróquia Jesus Divino Mestre, a dona de casa Marcia Souza, 52, disparou: “Quanto ao governo do estado, não tem o que dizer porque não tem ninguém aqui; quanto à prefeitura, 100%. Todo o acolhimento, até nas casas onde os moradores não quiseram sair, está nota 10.”
Mesmo com um sorriso no rosto, a mulher, nascida no bairro, conta que perdeu tudo no alagamento. De novo. A tranquilidade vem do costume com o descaso. Para Tarcísio, ela mandou um recado: “Apareça, fale alguma coisa. A população precisa saber o que vai fazer.”
Eduardo Boigues fez coro com a população na cobrança por atitudes do Estado. “Muita coisa está sendo feita pela prefeitura e também estamos cobrando o governo estadual não só com ajuda humanitária, como também com recursos para resolver o problema das enchentes de uma vez”, disse ele. Na última semana, a Defesa Civil do Estado distribuiu doações para as vítimas da chuva em diversas cidades.
Morador do bairro também desde o nascimento, o comerciante Milton Geraldo Santos, 71, relata que, além da questão humanitária, também há efeitos econômicos, já que não faz uma venda em sua loja há uma semana. A água chegou à porta de seu estabelecimento.
Ele discorda veementemente de Tarcísio que não há solução para a questão a não ser a remoção das famílias. “Seria uma boa tirar, mas quando sai uma, brotam dez, ou a própria família volta. Isso já aconteceu antes. Eu acredito que deveria investir em barragens, desassoreamento do rio. O que foi feito na [barragem da] Penha foi muito bem feito. Antes não se transitava na Marginal [Tietê] e hoje rapidinho escoa. Aqui nós temos problema de escoamento, e para isso tem que entrar o Estado”, disse.
“Não adianta vir e fazer discurso bonito. Eu também faço trabalhos sociais e é doído você ver um cara que nem terminou de pagar um carnê já ter que fazer outro para repor o que perdeu”, completou.
Região de Alerta
Assim como Itaquá, Poá também decretou estado de emergência. Mogi das Cruzes, Suzano, Ferraz de Vasconcelos, Biritiba Mirim e Salesópolis também tiveram de fazer mobilizações por conta da água.
Em Poá, cem pessoas tiveram suas casas interditadas por risco total ou parcial de desabamento, além de um ponto de deslizamento de terra no Jardim Nova Poá.
Em Mogi das Cruzes, oito famílias estão desabrigadas e foram alocadas em um abrigo temporário da Prefeitura. Também foi registrado de deslizamento e alagamento nas avenidas Austrália e Oceania.
Suzano realizou o acolhimento de 17 pessoas em um abrigo temporário da Prefeitura. Em Ferraz de Vasconcelos, vinte casas foram interditadas pela Defesa Civil.
Biritiba Mirim e Salesópolis também tiveram pontos de alagamentos.