Ex-prefeito de Ferraz de Vasconcelos condenado em 2020 por lavagem de dinheiro, em um esquema de desvio de verbas por meio de licitações fraudulentas, Acir Filló voltou à frente dos holofotes graças ao sucesso da série Tremembé, nome do presídio em onde cumpriu a parte em regime fechado de sua pena.
Hoje, ele segue cumprindo a sentença em regime aberto e tenta a liberação do livro “Diário de Tremembé – O presídio dos famosos”, escrito durante o período em que esteve no local. Assim como a série, a obra reúne relatos sobre o convívio com detentos conhecidos e reflexões sobre o sistema prisional, mas tornou-se alvo de polêmica ao ser censurada pela Justiça.
Em entrevista exclusiva à GAZETA, Filló fala sobre o processo de escrita do livro dentro da prisão, comenta a repercussão da série, reflete sobre os erros do passado e afirma que pretende voltar à política de Ferraz de Vasconcelos “no momento certo”.
GAZETA: Como foi o processo de escrever o livro “Diário de Tremembé” enquanto você estava na prisão?
Acir Filló: Esse é o livro que originou tudo, o primeiro escrito sobre Tremembé.
Eu acabei sofrendo uma grande traição. Na política não existem santos, eu não sou hipócrita, mas foi uma traição muito grande de pessoas próximas, e isso me levou a passar por tudo o que passei, até chegar a Tremembé.
Fui para lá com muito medo. Quando cheguei, bateu uma depressão profunda. Foi então que decidi trocar a depressão por papel e caneta. Na raça, comecei a escrever este livro. Assim nasceu “Diário de Tremembé”.
Eu estava fazendo jornalismo. Queria contar uma história. Para isso, precisava conquistar a confiança deles e consegui. Entrevistando todos, coletei um material inédito.
Agora, no próximo livro, “Tremembé: Segredos e Bastidores Ainda Não Revelados”, que será lançado em cerca de um mês, vou trazer muitas outras revelações.
GAZETA: Como você teve a ideia de escrever esse livro?
Acir Filló: Eu estava em Pinheiros, participei de um culto da igreja dentro do presídio e, ao descer uma escada para voltar à cela, aconteceu algo impressionante. Senti, fisicamente, algo tocar a minha cabeça. E, ao mesmo tempo, ouvi uma voz dizendo: “Escreve um livro”.
Foi tão forte que, em menos de dois minutos, eu já tinha pegado papel e caneta para anotar ideias. Assim acabou nascendo esse livro que gerou uma polêmica gigantesca.
E o mais importante: o livro revelou a farsa que Roger Abdelmassih montou em Tremembé. Foi isso que o Diário de Tremembé expôs ao país.
GAZETA: Sua atuação como prefeito de Ferraz e nome de destaque na política do Alto Tietê foi duramente marcada pelo seu envolvimento em um esquema que o levou à condenação pela Justiça. Qual seu sentimento hoje em relação a isso?
Acir Filló: Sim, é verdade que foi marcado. Mas foi marcado também por algumas obras importantes que eu fiz aqui: o Corpo de Bombeiros, uma Delegacia de Polícia na Vila Margarida, fiz vários postos de saúde e creches.
Modéstia à parte, foi uma história muito bonita. Foi muito difícil vir da situação social de onde eu saí e conseguir ser prefeito. Na política não tem santos, como eu falei, mas eu cometi erros. Me arrependo todos os dias. E eu paguei caro por isso.
Isso marcou muito para mim. Mas eu estou lutando, batalhando, mas vou dar a volta por cima. Primeiro, para provar que eu não sou bandido, nunca fui. Inclusive, a maioria dos meus processos está sendo anulada e arquivada.
GAZETA: Você visa retornar à política de Ferraz de Vasconcelos?
Acir Filló: Agora, não. Estou organizando a vida. Tenho vários livros para publicar, então vou me dedicar à literatura. Tenho outro sonho, que é ser professor de escola pública.
Eu adoro a política. O que me entristece é a lama, a sujeira, a hipocrisia. Então, vou voltar, sim, mas na hora certa, nas condições certas.
GAZETA: Para você que estava lá, quantos por cento a gente pode dizer que a série é real?
Acir Filló: 80% é real. Algumas questões são de liberdade artística. Aquela bagunça toda é mais do semiaberto. No fechado de Tremembé aquilo não existe, é tudo “organizadinho”.
GAZETA: Como você lidou com essa repercussão da série, tanto positiva, quanto negativa por parte de pessoas que alegaram a “glamourização” dos criminosos?
Acir Filló: O Brasil é um país muito amador, quando sai uma série dessa, queiramos nós ou não, feliz ou infelizmente, a glamourização vem. As redes sociais desses presidiários estão bombando. A Suzane Von Richthofen está com milhares de pessoas em todas as redes sociais. Então, a série vem, ela glamouriza. Agora, a glamourização, a humanização desses povos que cometeram crimes terríveis, acontece.
GAZETA: Você escreveu o livro e, quando foi publicar, não sentiu medo, não? Com todos esses relatos, com todas essas informações, como que foi o sentimento?
Acir Filló: Surgiu uma preocupação, principalmente no caso do Roger Abdelmassih. Muita gente dizia: “Esse cara vai te matar, vai ficar revoltado”. O que eu fiz foi jornalismo e também justiça. Mas acabei sendo transferido de lá, punido por escrever um livro, colocando de volta na prisão o Roger Abdelmassih. O livro foi censurado. Depois que saiu, vendeu muito, mas segue censurado até hoje. Estou lutando para tirar essa censura.
GAZETA: Você acha possível tirar essa censura?
Acir Filló: Eu tenho convicção que vai cair a censura, porque a gente vive em um Estado de direito democrático. É um livro legítimo, nós não estamos no tempo do Hitler, que queimava livros.
GAZETA: E hoje, quando a gente fala sobre a sua vida, circular e tudo mais, como que é isso? Principalmente após a série, voltaram os julgamentos, os olhares diferentes, como que é essa questão?
Acir Filló: Olha, graças a Deus, não. Eu cresci aqui, cheguei em Ferraz com quatro anos de idade. Todo mundo me conhece desde criança, então ninguém me julga. Cometi erros? Sim, claro. Mas sou muito bem recebido, isso me emociona.
GAZETA: A série terá mais temporadas?
Acir Filló: É mais de uma temporada, em mais de um streaming. Eu sei, mas não posso falar por uma questão contratual. Mas haverá mais séries, sim. Até porque essa retratou Tremembé completamente, mas mostrou apenas 10% do conteúdo que ainda existe para ser explorado.












