Por Patrícia Vanzolini / Arte: Giovanna Figueiredo
Os advogados brasileiros enfrentam, hoje, dois tipos diferentes de fragilização. O primeiro é a fragilização do seu papel institucional, que os atinge enquanto classe e tem reverberações simbólicas. O segundo é a fragilização das suas condições profissionais, que prejudica cada um individualmente. Me parece claro, a esta altura, que ambas formas de precarização poderiam ter sido evitadas se tivéssemos uma gestão empenhada e combativa na Ordem dos Advogados do Brasil, tanto a nível estadual — no caso de São Paulo, onde vivo e atuo — como a nível federal. Quero detalhar, a seguir, como chegamos a esse ponto.
A fragilização institucional se reflete, principalmente, na ausência progressiva da OAB enquanto representante dos profissionais que se dedicam a distribuir justiça e fortalecer a democracia brasileira. Se trinta anos atrás os advogados tiveram papel central na redemocratização do país — presidindo o comitê suprapartidário de membros da sociedade civil, entidades de classe, parlamentares e governadores na campanha pelas Diretas Já, por exemplo — a OAB hoje é uma voz enfraquecida no debate público, que parece fugir do seu papel político fundamental na defesa dos direitos do cidadão e da Constituição.
As dinâmicas dentro da Ordem explicam a origem desse acovardamento. Temos um processo eleitoral indireto, no qual o presidente nacional da OAB não é escolhido por seus membros, mas por conselheiros federais eleitos nos estados. Já em São Paulo, especificamente, o voto na eleição da seccional ainda é impresso e presencial, o que obriga os 322 mil advogados qualificados a votar a se deslocarem por longas distâncias, especialmente no interior do estado. Devido a isso, a última eleição da OAB-SP, em 2018, teve abstenção próxima de 45%, e a chapa vencedora se elegeu com apenas 15% do apoio do eleitorado. Não há renovação possível nessa conjuntura, e a gestão atual, presidida por Caio Augusto Silva dos Santos, parece querer trabalhar para manter as coisas como estão — engessadas, estagnadas, deterioradas.
Também é sintoma dessa estagnação a falta de diversidade nos principais cargos da seccional. As mulheres, que sempre enfrentaram barreiras expressivas para entrar na advocacia e participar da política de classe, são minoria absoluta na https://portalgazetaregional.com.br/wp-content/uploads/2023/06/ed440.pngistração atual; os advogados negros, que representam 37% dos filiados à Ordem, tampouco têm lugar. Não surpreende que esse distanciamento intencional da presidência — que, desde o início, não ocultou ter como prioridade única a própria reeleição — para com aqueles a quem ela deveria servir se traduza numa falta de interesse e participação dos advogados.
Há ainda o segundo tipo de fragilização: a decadência profissional, que se manifesta de diversas formas. Os advogados vêm empobrecendo — segundo o Datafolha, 44% dos nossos colegas no país ganham até R$ 2.500 mensais — e sofrendo tratamento hostil e vexatório nos tribunais, que também são seu ambiente de trabalho. A pandemia piorou essas duas tendências: a crise econômica sem precedentes, de um lado, forçou diversos escritórios a fecharem, e a adoção às pressas do formato digital, feita de forma impositiva, piorou o silenciamento e o desrespeito que sempre enfrentamos nas audiências.
Diante da erosão estrutural das nossas prerrogativas, garantidas pelo artigo 133 da Constituição, a OAB-SP não se posicionou, não prestou apoio, não se deu ao trabalho de consultar seus membros. Estou me candidatando à presidência da seccional paulista da Ordem porque considero essa conjuntura inaceitável, e tenho algumas propostas para corrigir as distorções criadas pela gestão atual nos últimos três anos.
Acredito que é preciso estabelecer uma rede imediata de proteção às prerrogativas, amparada em três eixos: formação técnica gratuita, defesa institucional dos nossos direitos — centrada na aprovação da PL 3771/20, que anulará os atos dos juízes que violarem as prerrogativas dos advogados — e suporte material e tecnológico. Essas ações propõem criar uma cultura de participação horizontal e colaborativa, na qual os advogados deixam de enfrentar esses problemas por conta própria e passam a integrar uma rede conectada e dotada de novos mecanismos legais. Cada um ganha autonomia para se tornar fiscal ativo dos próprios direitos e defensor dos direitos dos colegas.
No campo institucional, é urgente que a OAB-SP resgate seu papel histórico e amplie a participação de seus membros, com transparência e pluralismo, construindo uma agenda coletiva que sirva de referência a uma sociedade carente de justiça. É preciso descentralizar o poder, ampliar a atuação de jovens, mulheres, negros e LGBTs, pôr fim à reeleição e otimizar a gestão de recursos. Já passou da hora, também, de adotarmos práticas instituídas pelas seccionais de outros estados, como o voto digital e o programa de Anuidade de Volta. O atraso em aceitá-las só faz sentido para uma gestão como a atual, que manipula a instituição para fins pessoais e tem como definição única de sucesso a própria manutenção no poder.
Não é mais possível que uma organização tão central para a vida política do país se esconda atrás de processos fisiológicos, ultrapassados e pouco democráticos. A Ordem precisa entrar em sintonia com as necessidades da sociedade para reassumir sua vocação original e seu protagonismo no debate público.
