Jovens negras de Santa Isabel relatam como é lidar com os episódios de racismo desde a infância
Por Ellen Ávila – Especial para a GAZETA / Foto: Divulgação
A violência contra a população negra continua sendo pauta para luta de muitos ativistas, que cobram a criação de políticas públicas para diminuição dos casos de racismo no Brasil. Dados divulgados pelo Atlas da Violência de 2021, apontam que as mulheres negras são maioria das vítimas da desigualdade racial.
Segundo a pesquisa, de 2009 a 2019, o número de mulheres negras vítimas de homicídios aumentaram 2%, passando de 2.419 para 2.468. Já o total de mulheres negras assassinadas no país foi de 66% dos casos femininos registrados em 2019, ou seja, a taxa de mortalidade por 100 mil habitantes é de 4,1.
Letícia Oliveira, de 28 anos, foi vítima de racismo em local de trabalho. Ao ser promovida para cargo de liderança, passou por um episódio constrangedor. “Uma funcionária desenhou na porta do banheiro um macaco e colocou meu nome embaixo. Ela foi demitida, mas chegou em mim e disse que não gostava de mim só por eu existir”, conta.
Durante a infância, o racismo foi reforçado na vida de Letícia, principalmente em relação ao cabelo. “Eles diziam que meu cabelo era duro. Os homens falavam que eu tinha um corpão, mas meu cabelo era ruim. Meu pai cortava meu cabelo bem curtinho para não aparecer e eu tinha medo de levar currículo nas lojas e eles não me contratarem por causa da aparência. Eu ainda carrego muitas marcas do preconceito”, explica.
O assédio sexual também é uma preocupação constante para as mulheres negras. “Eu trabalhei em um local que o homem fazia muitos comentários que me deixavam incomodada. Eu contei para minha superior e ela falou que não podia fazer nada, porque ele não podia ser despedido. Ela mudou de setor, mas ele questionou o motivo e ela contou. Ele pediu desculpa e me colocaram para trabalharmos juntos novamente, no final, me despediram por causa dessa situação”, conta a Letícia.
Cisleide Oliveira, de 24 anos, é irmã de Letícia e também já enfrentou situações de racismo no cotidiano. “Eu estava em transição capilar e meu ex não aceitava que eu usasse o cabelo afro, porque ele e a família dele achavam feio, e ele dizia que ia terminar comigo”, fala.
Na época de escola, as piadas racistas faziam com que Cisleide faltasse nas aulas. “Os colegas de sala faziam piada sobre minha cor e cabelo, e eu não podia questionar né. Eu me lembro de chegar em casa triste porque riam de mim e eu não queria ir para a escola”, relata.
A aceitação das origens está sendo um processo difícil para Cisleide. “Eu estou passando pela transição capilar, mas eu fiquei muito desanimada no começo, não tinha vontade de sair de casa, porque me sentia feia. As pessoas diziam que meu cabelo era melhor com chapinha e isso me deixava triste. Se eu pudesse, falaria para mim na infância, para ter orgulho das minhas origens, cor e cabelo”, explica.
Vitória Borelli é estudante de jornalismo e tem 20 anos. Vivenciou seu primeiro episódio de racismo ainda no 4 ano. “O menino me chamou de neguinha do tribufu. Neste dia eu fiquei muito triste, chorei no banheiro, e a professora fez ele pedir desculpa, mas como se nada tivesse acontecido ou que fosse grave. Eu também fui bolsista em uma escola particular, e professores associavam negros a classe social”, conta.
A objetificação sexual do corpo das mulheres negras também fez parte da vida de Vitória. “Desde pequena eu ouvia que eu tinha uma cinturinha, e eu fico muito irritada quando escuto esse tipo de comentário, porque parece que somos só isso”, relata.
A representatividade é muito importante para a jornalista, que acredita que isso pode inspirar outras pessoas negras a escolherem suas profissões. “O negro pode ser uma pessoa bem-sucedida, que vai ser referência para crianças e jovens. Eu gosto muito de seguir blogueiras negras, pois elas ensinam penteados e maquiagens para nós. Quando um negro não ocupa um espaço de poder, as necessidades da população negra não são atendidas e não há diversidade de vozes”, explica Vitória.
Tárcyla Cecílio, 21 anos, é estudante de biomedicina. Quando era apenas uma criança, já teve que lidar com uma situação racista. “Algumas meninas cortaram o meu cabelo porque ele era ruim. Sempre tive problemas com meu nariz, porque era muito aberto. A autoestima ficou extremamente abalada, porque eu procurava defeitos e me comparava com as mulheres brancas. Me aceitar foi um processo longo, diário e que passou por várias etapas. Eu tive que me conhecer e entender quais lugares eu podia me colocar, e que eu não podia ter a aparência cheia de estereótipos da mulher branca, porque não sou ela”, explica.
A hipersexualização sexual também é algo com que Tárcyla lida. “Já ouvi comentários como sua cor é mais quente, cor do pecado. As mulheres negras acabam sendo chamadas só para sexo, nada de encontro ou algo assim. Assumir um relacionamento com uma pessoa negra é também assumir o discurso de ódio que irão propagar, abordagens violentas e piadas misóginas.
Para Tárcyla, a representatividade é uma forma de dar luz para o futuro das crianças negras. “Sempre vemos atores negros com papeis de vilões, ladrões e presidiários. Ter o negro como ator, cantor, médico, mostra para a criança que o caminho é árduo, mas você pode ser o que quiser e traçar a sua história. Se eu pudesse, eu diria para minha versão na infância para ser forte, mas não para aguentar a dor que irão causar, mas para não desistir dos sonhos. Que não será fácil, mas que terei voz para gritar até que precise ser ouvida”, conta.