Por Marcelo Barbosa
É de se saber que o nascimento de qualquer favela no Brasil acontece, em geral, pela falta de habitação. É um “parto não planejado” e com isso sua estrutura urbana totalmente irregular. Ela não deveria existir em nosso país, mas a irresponsabilidade dos pais, que pode aqui ser representado por qualquer governo e época, gerou uma criança indefesa e sem apoio existencial.
Viver em um ambiente caótico ensinou aos moradores de favelas a sobrevivência de forma coletiva, começando com a defesa do seu direito de morar que queria ser “abortado’ pelos pais governantes. Depois de vencer esta luta, ajudar ao próximo se tornou um hábito com troca de alimentos, favores e muitas ideias.
Lembro quando ainda menino, em Heliópolis, na zona sul de São Paulo, um período da década de 80 em que os próprios moradores construíram o asfalto da rua com os materiais entregues pela Prefeitura, fazia a gente ter uma sensação de pertencimento.
Naturalmente, com o tempo a criança favela cresceu e mesmo em um cenário de desorganização, conseguiu se fortalecer. Ela descobriu sua “floresta de concreto e aço”, cantada pelo grupo de rap paulistano, Racionais MC´s, e expandiu. Boteco e drogas não eram mais a única referência, pois começou a se entender outras formas de consumo, investimento e termos de gente rica como renda passiva.
Não era necessário mais ir ao centro da cidade para comprar um sabão, pois o Joaquim da esquina vendia. A Maria dos doces tinha o que a molecada queria, e ao seu lado, uma casa de construção, a loja de roupas, a padaria, sorveteria, a igreja evangélica, a católica, a umbanda, a quadra de futebol e pracinha.
A favela cresceu sem urbanização e mesmo com a irregularidade em sua estrutura, muitas se consolidaram, como as favelas de São Paulo, Heliópolis e Paraisópolis.
Mas, após visitar os dois locais periféricos, este contexto de luta e superação sumiram da minha mente ao ver o comportamento inconsciente dos moradores diante do vírus que assola o mundo. As rodas de samba, pagode e os pancadões acontecem naturalmente, as pessoas nas ruas não mantêm distanciamento e todos os comércios abertos, com a maioria oferecendo poucas instruções sobre a doença.
Me senti um estranho por estar usando máscara e um idiota com álcool em gel no bolso, a ponto de compreender que o local fosse imune ao vírus, como se a favela fosse outro universo diante da pandemia do covid-19 que completou um ano no Brasil.
Após pesquisar, encontrei em ambas as favelas casos de mortes e pessoas internadas por conta da doença infecciosa. Conversando e questionando alguns moradores sobre a realização de uma ação prática de conscientização, ouvi que as pessoas não estão se importando porque a própria favela é um aglomerado subnormal, como descreve o IBGE, e não existe espaço para distanciamento.
Concordei com as pessoas que pela estrutura desorganizada da favela, as ruas, vielas e becos, é impossível ter um distanciamento mínimo, mas e se conversasse para sair de casa somente quando necessário ou ainda organizasse um rodízio para sair na rua ou ir para determinado local? Riram da minha cara…
Parece que aquela favela do passado que lutava pelos seus direitos, que se protegia e que tinha coletividade ficou no período da infância. A favela atual é um adolescente rebelde em busca de prazer próprio.